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Afinal, o que a ciência do karate estuda?

Ao longo dos meus 30 anos de karate, já escutei em alguns momentos que karate não tem ciência! Que karate é uma arte milenar (karate não é milenar, é uma arte recente do século XX) e não pode evoluir, pois perde a sua tradição. Por outro lado, já escutei que karate é uma luta de velocidade, que é só colocar o pé ou mão na cabeça ou tronco do adversário, que já seria ponto em competições.

Será mesmo? Lembro de um trabalho durante o mestrado, na disciplina de biomecânica avançada, que o objetivo era descrever como uma plataforma de força (sistema que avalia equilíbrio) funciona, utilizando algum artigo científico referente a sua dissertação. Mas o trabalho, não era tão simples, tínhamos que entender o processo e refazer a pesquisa em Laboratório.

Não tive dúvidas, fui pesquisar artigos que falavam de karate. Analisei e repliquei uma pesquisa do Cesari e Bertucco (2007). Os autores compararam soco (zuki) em pé (hachiji-dachi) (figura 1) e identificaram maior velocidade de golpe e menor deslocamento do centro de pressão (CoP) (figura 2), ou seja, maior equilíbrio postural em faixas pretas do que iniciantes ou intermediários no karate.

Figura 1 – Análise de soco em plataforma de força. Teste replicado no Laboratório de Motricidade Humana, PUCPR em 2016. Fonte: Urbinati, 2016.

Figura 2 – Avaliação de Centro de Pressão (CoP) em plataforma de força. Centro de pressão é o ponto onde a força resultante se encontra. Como exemplo pode-se visualizar uma pessoa parada em pé, o centro de pressão é o ponto entre o pé direito e o pé esquerdo e esse parâmetro é importante, pois através dele podemos analisar o equilíbrio do indivíduo. Fonte: Kistler, 2024.

Sim, karatecas experientes tem maior controle coordenativo, utilizando “força de vibração” de quadril (figura 3) para acelerar e estabilizar o soco através de controle dos músculos do CORE (figura 4).

Figura 3 – Ilustração clássica do livro de Sensei Nakayama sobre rotação de quadril no karate. Força de vibração é um termo usualmente utilizado no karate para identificar vibrações / oscilações no complexo do quadril. Fonte: Nakayama, 1978.

Figura 4 – Músculos do CORE. CORE se origina do inglês e significa centro, núcleo. Em anatomia, é utilizada para se referir aos músculos profundos das regiões abdominal, lombar e pélvica, que têm como finalidade manter a estabilidade dessas regiões. Fonte: Medium, 2024.

Depois de uma semana mexendo na plataforma de força e sistema Vicon (câmeras 3D) (figura 5) do laboratório, analisei um karateca. Contei todos os fatos para meu marido (que também é karateca), e eu toda empolgada mostrando todo o rigor científico e cálculos do estudo. Quando ele fala: mas isto não é óbvio?

Figura 5 – Sistema Vicon, software Nexus para análise biomecânica de movimentos. O sistema Vicon realiza a captura de movimentos por câmeras 3D. Existem vários modelos de uso. Na imagem, é apresentado o modelo full body, que analisa o corpo todo. Os dados são reconstruídos pelo software Nexus. Fonte: Vicon, 2024.

Na hora, lembrei do Sensei Jonery Santos, meu professor no Yobukan Dojo, corrigindo sistematicamente o quadril dos alunos, explicando o conceito e como utilizar a força de vibração no quadril. Sim, toda a pesquisa de Cesari e Bertucco (2007) entregavam resultados óbvios, mas que até então haviam sido pouco estudados de forma científica, ao menos no ocidente.

Então, neste momento percebi que conceitos tradicionais de karate podem ser explicados pela ciência, que terminologias e ensinamentos repassados entre gerações de Senseis (professor) e Seitos (estudante) tem muitos conceitos biomecânicos e fisiológicos.

Naquele momento, entendi que a ciência é a ligação entre o passado e o futuro. Não podemos avançar se não tivermos conhecimentos básicos do passado!


Referências:

Cesari P, Bertucco M. Coupling between punch efficacy and body stability for elite karate. J Sci Med Sport. 2008 Jun;11(3):353-6. doi: 10.1016/j.jsams.2007.05.007. Epub 2007 Aug 20. PMID: 17703995.
Medium. Catlett, The CORE: what is this? Disponivel em: https://medium.com/performance-course/the-core-what-is-it-98922c9cc384. Acesso em: 20/03/24
Kistler. Unleash your body’s full potential: how force plates from Kistler can help improve physical performance, 2024.
Urbinati et al. Difference in body stabilit between punches and kicks: a case study. XXV Congresso Brasileiro de Engenharia Biomédica, p. 952-55, 2016.

Afinal, o que a ciência do karate estuda?

Ao longo dos meus 30 anos de karate, já escutei em alguns momentos que karate não tem ciência! Que karate é uma arte milenar (karate não é milenar, é uma